Governo quer limitar descontos nas farmácias a 3%

Os descontos que algumas farmácias fazem em medicamentos sujeitos a receita médica podem vir a ser limitados no futuro. O Ministério da Saúde elaborou um projecto de despacho em que prevê que o desconto praticado pelas farmácias não poderá ser superior a 3% sobre a parte não comparticipada destes fármacos — quando actualmente há estabelecimentos que praticam descontos de 10%, 15% e até 20% para conquistarem clientela.
 
“Os trabalhos sobre esta matéria ainda estão a decorrer”, admitiu o gabinete do ministro da Saúde, sem adiantar mais detalhes sobre este processo que se antevê polémico.
 
Não é uma decisão fácil: a emperrar a intenção da tutela de impor restrições aos descontos praticados por algumas farmácias, há já um parecer desfavorável da Autoridade da Concorrência (AdC); também pesará o facto de a medida ser previsivelmente impopular, uma vez que muitas pessoas se habituaram a comprar medicamentos com descontos em farmácias, desde que tal passou a ser possível há mais de uma década.
 
Foi com o Estatuto do Medicamento, decreto-lei aprovado no governo de José Sócrates quando era ministro da Saúde Correia de Campos, que se abriu a porta a esta possibilidade — que tinha sido recomendada no ano anterior pela AdC. Desde então, multiplicaram-se as farmácias que anunciam e praticam descontos, sobretudo nas grandes cidades, levando outras a fazer o mesmo para não perderem clientes.
 
É uma matéria complexa que está em estudo desde há algum tempo porque estará a ter um efeito perverso, ao provocar dificuldades às farmácias mais pequenas, sobretudo as que estão localizadas no interior do país.
 
Foi, aliás, em resposta a uma pergunta do grupo parlamentar do PCP — ao qual chegaram queixas de várias farmácias contra a “desregulamentação dos descontos praticados” — que o gabinete do ministro da Saúde adiantou, no início deste mês, que elaborou o tal projecto de despacho prevendo que o desconto (que incide exclusivamente sobre a parte não comparticipada do preço do medicamento) não pudesse ser superior a 3%.
 
A "situação económica do sector das farmácias em Portugal é, publica e manifestamente, débil e com elevado risco de sustentabilidade”, argumenta o gabinete do ministro. Um risco que, acrescenta, afecta "negativamente o acesso dos cidadãos a medicamentos e ameaça a capilaridade e distribuição equitativa da rede de farmácias por todo o país”.
 
Para fundamentar a intenção de passar a estabelecer um limite aos descontos, lembra ainda que, no cenário europeu, “poucos países permitem descontos da farmácia ao utente” e, quando o fazem, isso acontece apenas em medicamentos com preços regulados. Ou seja, “não podem ser feitos descontos nos medicamentos comparticipados”.
 
E dá o exemplo dos países que servem de referência a Portugal para fixar o preço dos medicamentos comparticipados, como Espanha, França e Itália, onde apenas são permitidos descontos em medicamentos não comparticipados ou não sujeitos a receita médica.
 
Para justificar a fixação de um desconto máximo de 3%, o ministério alude a um estudo da Universidade de Aveiro, segundo o qual, em média, os grossistas concedem um desconto comercial de 3,5% às farmácias.
 
O problema é que a Autoridade da Concorrência é contra. Num parecer pedido ao regulador — e citado nesta resposta —, a AdC recomenda que não sejam introduzidos limites aos descontos a praticar pelas farmácias, de modo a “preservar o grau de concorrência actualmente existente", que é "indispensável a uma afectação eficiente de recursos e ao bem-estar dos consumidores".
 
Já a Direcção-Geral das Actividades Económicas, apesar de admitir que esta medida possa fazer sentido em farmácias situadas "em territórios de grande densidade", considera que a proibição de descontos superiores a 3% no preço dos medicamentos terá um impacto reduzido para as farmácias situadas em zonas onde há pouca oferta.
19-02-2018